segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Formas translúcidas, as mais diáfanas;
Breves, fugidias, formas supernas:
Fecundai o louro desses parnasos
No que de hoje espoca nas hodiernas

Formas livres, reais, palpáveis e sorridentes;
Ascendentes formas de pés enraizados ledos
No firmamento de chão, nos irisados contornos
Do exterior, da vida – no sorriso espontâneo

De quem se rejubila –
De quem ama estar eterno morituro.

Sim... sim...
Leve, lento...

domingo, 15 de dezembro de 2013

Hoje, não sei quando,
A vida soa farta de ser espontânea
Soa existir pra fora de mim
– Até eu –.
Sob uma árvore sem sol que a passe
Alegro-me de poder ver o céu em partes
E sentir sem fechar os olhos
Meu corpo lá no alto que se desfaz em folhas
Onde cada uma se espalha com o vento
Longe cada uma de si
Sem falta, sem perda
Sabendo que cada é um todo
E que o todo é de quem sente.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Nunca vi tempos
Nem humanidade
Nesta mole imensa
Do que sinto infrene.

O mundo inteiro
Reveste-se por pétreo
Horror ao horror
De existirem só.

Enquanto caminho,
Órgãos dos outeiros
Gemem vaporosos
Minha alma externa
E desenham vagos
O coro das cores
E abrem meus olhos,
Abléfaros, ao real.

Salve gente! homem! e humanidade!
Seus rostos mostram ainda a altivez
Superna de quando há teratos no viver
E a beleza se expande sem arautos.

De tempos em tempos, qual teogonia,
Incorre o homem, inalvedrio,
Às catástrofes, guerras e ao perigo
Quando o choro é fonte de serenidade

E a vida, enfim, é idade de ouro.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

A noite borra as cores das coisas
Nem por isso elas deixam de ser o que são.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Estâncias

Pensei ter visto a tristeza
Mas era só meu o abismo.
Ó, petiz, tende a certeza
De haver flores em teu grito.

Nos envoltos, tudo soa.
Grita, evola, evoé!
A este mundo de empola
Ao nosso sopro sem sombra.

Não dance! — deixe-se só.
Quem dança ainda pensa.
O revolver da turba sói
Fazer sentir, sem ser sentido.

Passar, petiz, passar
Amar o real acima
Ser sombra de Sol no mar
E sentir, sem nos sentirem.

domingo, 28 de julho de 2013

Intermitente

"Olho semicerrado num sono sem noite
Outrora de um instante hoje ao amanhã
Sem astros, sensciente de meu cerne, o chão
Da ínsula sem onde infuso, uma empola.

Busca do que eu fui, perco-me, mente sã,
Daquele que em outrora expira sendo outro.
Domicílios sem alma, estância sem corpo
Na memória de todos; — há vozes passando.

Errando neste solo, um sequer assomo,
Sem fito algum lançado no espanto de arroubo,
Provido sem destino e sem deus à mão.

Cingido em mim ausculto a paisagem louçã
Emerso em cinza e azul de mim para mim vão.
Vendo sem ser visto; — sem saber quem, estou."

quinta-feira, 25 de abril de 2013


Nem amanhã e nem depois,
Malditos portugueses fracos,
Hoje, clamo sem medo e dor
Num silêncio que não me torna rasto.

Hoje, não temerei mais nada
Que, até então, me impediu de mim:
Nada além da autenticidade
A vida há valor, se não há suicídio.

Somente em dança esquizofrênica
Que estes as não são sofrimento
Pura leveza e nenhum tempo exato
Que cada mover escoe de minha pele
Como nunca a tivesse só uma grande ruptura
Por que tudo passa e com ele passe eu sem visão uma pura ação

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Desde uma infância

A pompa era o escurecer-se dentro do quarto,
em que sentou-se, quietinho, o garoto.
E quando a mãe entrou como em sonho
vibrou um copo no silencioso armário.
Ela sentiu o quarto a aprisionando,
e beijava o seu garoto: Você está aqui?...
Então ao piano olharam aflitos,
pois há noites em que ela a ele ia cantando,
à criança prendendo estranha e profunda.

Sentou-se. Seu grande olhar agarrava
a mão da mãe, que muito torcida estava
como se em um monte de neve se afunda
pesada, em teclas brancas junta.

Rainer Maria Rilke

Tradução: Felipe Pacheco.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Kim jesteś?

Não possa ser poeta sem sair
de onde vieste, genializar-te
sem ter culpa de quem deixas pr’atrás,
consegue consigo mesmo sua sina,
ainda que impossível.

O estridente inverno, busca com ele;
o augusto outono, respira-o infindo.
Abraça a dor, qual aranha sua teia.
Sê, pois, consciente da indiferença
hodiernos atos teus.

Tem a ti o eterno como presente.
As coisas que te rondam jamais sejam
mais nem menos que as coisas que te rondam.
Cai antes de andar, o chão antes do ar.
Assim, serás qual deuses.

Como infante sem semblante franzido,
sê, inteiro, pesado em sóbria essência,
e por Zéfiro levado, ludibundo.
Sói perderes-te no espaço do mundo.
Longa arte, longa vida.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Moro numa sociedade de milhões
de eus que eu jamais deixei de ser
diversos, variados e impossíveis
numa cidade burra e sem nada
a não ser meus eus em meio ao deserto
sem realidade, mas qu'inda é
um deserto com uma cidade ali
bem no meio mentiroso
estes eus são piores no entanto
pois pecam sempre por não ser quem sou
eu jamais peco, disso eu sei muito bem
pouco entendo sobre o que é pecar
falta-me a ciência desnecessária
para poder cair em algum erro
apenas ajo, se erro ou não, não sei
isto eu deixo para os outros julgar
houve um dia, terrível pra história
em que se tornaram animais pensantes
em que deixaram de ser eu pra sempre
não entendiam mais sem conhecer
mais vale a ida ao deserto sem água
mas com vida, pois este é o meu meio
que enclausurar-se aí com a cegueira
um desses eus que me via na borda
um dia veio conversar comigo
dormia, pouco entendi o que disse
mas já me bastou saber que disse algo
pouco me importa saber o que dizem
sei mais nada do idioma deles

sento-me aqui...

é a este espetáculo do mundo
que assisto sem saber bem o porquê
tentando entendê-lo em nada, necas
se eu compreendo algo, eu não enxergo.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Nie wiem

Queria poder
Aprender sem saber
O porquê de querer

Ter aquela estranha capacidade
De não saber quem se é
Ah! falá-lo com a estranha seriedade científica
Sem, no entanto, ter cenho franzido
Sem ter filosofia
Um pingo de conhecimento de causa
Não falar por já ter razões
Não falar por ter motivos

Sentar-se no centro do universo mentiroso
Olhar pra frente vislumbrando o passado
Pouco se importando com o futuro atrás de si
Entendendo tudo sem nunca ter lido um livro
Nu pois a roupa constrange as pinturas do corpo
(Re)Nascendo fora do ventre inexistente.

Nie wiem
Nie wiem
Nie wiem
... (quantas vezes quiser)

Quem mais senão um idiota
Que finalmente aprendeu a passar?

Felipe Pacheco.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

"Nós, os nobres, nós, os bons, os belos, os felizes!"

Erros da natureza e nada mais!
Espíritos como o meu jamais poderiam ser um acerto
Pois o egoísmo de flor que em mim late
Assim como lateu naquele poeta
Só podem existir por erros
Enganos, uma pitada a mais que mata.

Por quê? Como poderia eu ser isso?
Simples!: um pássaro come uma borboleta
uma aranha come uma borboleta
uma lacraia come uma borboleta
eu como uma borboleta
E cadê a comiseração que chora?

Não, não poderia culpá-la, não.
Como poderia ser diferente se eu sou o que sou?
Se eu fosse um outro, eu choraria pelas queimaduras,
teria muito medo dos monstros que comigo dormem com gargalhadas infantis,
ajoelhar-me-ia perante o poder que me coage arenoso.
Ah! quem dera a natureza cometê-los.

Aí, não seria mais natureza.

Felipe Pacheco.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Gravidade que nem existe

Havia um inseto
E havia um chinelo
Que surrou-lhe a face

O rapaz que esse ato fez
Sentiu-se feliz ao ver
O inseto cambaleante

Recostou a cabeça no armário
Fixou-a nos braços, sentindo o trabalho
De aguentar o peso da vida entrequebrando-se

Por pura brincadeira.

Felipe Pacheco.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Corpo

Foi com professores impossíveis
Que meu corpo, enfim, tornou-se desvalorizado
Enfim se tornou corpo.

Felipe Pacheco.